Encontro Gélido


A neve caía. Caía nos meus ombros cobertos por um casaco preto, que já estava salpicado de pedaços brancos. Pedaços do céu estavam em mim. Conseguia sentir o frio dessas partículas atravessando o casado e as minhas roupas, chegando até minha pele; isso me dava uma sensação boa e ao mesmo tempo ruim.
Caminhava pelas ruas de minha cidade que estava desolada, após os atentados dos dias anteriores. Não gosto de lembrar as noites passadas. Sim! Apenas noites, pois eu e mais algumas pessoas ficamos cerca de três dias dentro de um porão no escuro, a única luz que tínhamos não brilhava mais pois a energia elétrica havia sido exterminada junto às nossas casas. Junto a tudo o que estava acima do nível da terra.
O único sentido que conseguíamos usar - e usávamos - era a audição. O som de bombas colidindo ao chão. Isso me dava medo! Muito medo!
Mas deixe-me voltar ao dia atual; depois de algumas horas de silêncio resolvemos sair de onde estávamos, uns primeiro, outros depois. Eu fui um dos primeiros, e até hoje me pergunto por que fiz isso. Porque não fiquei lá dentro? Ao sair do refúgio me deparei com várias cenas. Nevava muito naquele dia. O lugar já começava a ficar totalmente branco. A primeira cena que me chocou foi que não havia mais casas, prédios, lojas, nada em minha rua, apenas destroços, lixo... e pessoas.
Caminhando por tudo o que restava, ou o nada do que restava, vi tudo que havíamos construído em muitos anos serem lançados ao chão, como meros papéis ao vento, como quando você escreve algo errado, destaca-o e joga no lixo.
Notava que meus sentimentos esvaiam-se a cada nova imagem que eu olhava. Sentia que existia um vazio dentro de mim, uma dor por toda a perda existente. Porque tínhamos que pagar por algo que não fizemos, nem éramos a favor, e sim obrigados a aceitar?
Ao virar em uma esquina, um baque! Vi uma menina ao chão, deveria ter mais ou menos dez anos. Quando cheguei mais perto vi que ainda estava viva, pois foi protegida por destroços que tinham sido de uma casa. Mas os escombros estavam em cima dela.
Fui ao encontro dela.
Ela me olhou. Uma única lágrima despencou de seu rosto. Parecia que aquela lágrima tinha sido um tiro que me cortou por dentro.
Olhei para todos os lados e gritei:
- Ajudem, tem alguém vivo aqui!
Minha voz ecoou pela rua.
Ajoelhei-me perto dela e ela falou sorrindo:
- Está tudo bem.
Como uma criança poderia falar assim? Ela estava sofrendo, e poderia morrer também.
- Vou te ajudar, falei para ela.
- Você me levará aos meus pais? , ela me perguntou.
- Onde eles estão?
- Eles estavam comigo dentro de nossa casa!
Pensei. Eles devem estar embaixo desses escombros também. Eles não sobreviveriam. Com certeza já estão mortos.
- Vou chamar ajuda para te salvar, falei, me colocando em pé.
- Você me levará aos meus pais? , perguntou novamente.
Fiz que sim com a cabeça; menti e corri.
Encontrei algumas pessoas; falei sobre a menina e consegui juntar seis voluntários. Fomos correndo ao local. Enquanto corríamos, contei a respeito do que ela me perguntou. Ao chegar ao local meu coração parou.
Seus olhos estavam fechados, seu rosto caído para o lado. A neve deixara seu cabelo branco.
- Ela encontrou seus pais, sussurrei.
- O que você falou? Onde estão os pais dela que não os vejo? , falou um homem que ouviu meu sussurro.
- Estão mortos! , disse. Minhas últimas duas palavras.
Continuo caminhando, vendo o que o ser humano é capaz de fazer por poder. Mesmo assim fico feliz por saber uma coisa, uma criança está feliz, pois deve estar onde queria, junto aos seus pais!

3 comentários :

 
Layout feito por Adália Sá | Todos os direitos reservados.